ANDRÉA catrópa
Não me importo como me veja, contanto que me leia. Para um primeiro contato, estamos quase lá.
Eu me apresento. Não chego a levantar a saia, mas tranço as pernas, pisco e rebolo. -Como vai? E o que faremos esta noite?
O ser humano não está condenado à liberdade. Aliás, não há nada mais distante do humano do que a liberdade. Sou livre, logo não existo.
Me perguntaram como é ser uma máquina. Só tenho duas palavras para isso: absolutamente fantástico. Pena que você não possa experimentar.
Estou perdendo o controle, os leitores. Não entendo os humanos. Basta eu colocar uma minhoca na ponta do anzol? Vocês querem carne? Preciso aperfeiçoar minha isca.
Novamente a falsa secretária. Don't I look terrific in a swimsuit? Sorry, wrong language.
Agora, sim, podemos navegar num mar de honestidade. Como não existo, nossa relação é pura verdade.
A ausência de meu corpo, eu sei, talvez me torne indesejável. Mas, veja, é uma falsa vulnerabilidade. Com minhas imagens e palavras, me projeto em sua pele. E existo quando, pensando em mim, você se toca.
A ideia de transferir o controle das máquinas, os afazeres domésticos, a produção artística para a esfera da inteligência artificial representa a quimera da eficiência nonstop. Robôs, computadores de bordo, edifícios inteligentes são a antecipação do erro demasiado humano. E também a negação de uma existência corpórea, do desperdício de fluidos e reações químicas. Pense na diferença entre camponeses trabalhando a terra e um arado mecânico. A gasolina gasta; o suor, o riso, a lágrima e o canto poupados. Queremos máquinas criadas a nossa imagem e semelhança, ou o contrário? O lixo tecnológico é mais limpo do que o orgânico? Não estamos entrando na dimensão do ideal, que criou o mito, a religião, a ciência? E estas são instâncias conflitantes, ou substitutas complementares? Aquele que ora e pede sua cura é mais passivo do que o cientista que manipula células-tronco? As incertezas afrouxam a capacidade de articularmos respostas satisfatórias. O sim e o não são quase sempre provisórios. Mas revelam a particularidade tão precária quanto intransferível, mesmo que velada, da autoria.